Lazer e Sexualidade: Mo(vi)mentos da corporeidade em busca de sentidos

Concebo a busca de sentido em nossa existência como movimentos-momentos relacionais os quais acontecem na e a partir de nossa corporeidade. Nesse sentido, é fundamental dizer da interseccionalidade que atravessa nossa corporeidade, a fim de não cair no equívoco de estar falando de lazer e sexualidades de um ser humano universal. Considero ser imperioso territorializar essa corporeidade como prenúncio de desterritorializações possíveis e necessárias de nossa construção como seres inconclusos. Nesse ponto, afirmo que a interseccionalidade gênero, raça, classe, deficiência, idade, escolarização traz a possibilidade de evidenciarmos as violências que determinados corpos sofrem, em vista de se apresentarem para as relações como corpos negros, empobrecidos, não-heteros, bem como outros corpos (conscientes ou não) ao se movimentarem nas relações alicerçados no privilégio da branquitude, que por consequência, lhe permitem maiores acessos. Dito isto, para me aproximar do binômio lazer e sexualidades penso em partir da corporeidade em mo(vi)mentos intensos e incontáveis, sem desconsiderar a complexa imbricação entre as dimensões biológica e cultural próprias do processo de constituição do humano desde suas primeiras experiências de sexualidade. Estas o inserem na cultura, ou seja, o pequeno corpo desejante da criança com fome, sacia sua necessidade e desejo no calor do peito de sua mãe ou do colo adulto que lhe oferece o leite na mamadeira (no biberão, como se diz em Portugal). A sexualidade humana, dessa forma, não pode ser reduzida ao sexo (ou às relações sexuais), contudo, pode menos ainda, ser desconectada dessa experiência. É imperioso lembrar que esta redução foi e é instrumento de controle da corporeidade ao enquadrarem a relação sexual com foco na performance reprodutiva. Aprisionando, assim, não apenas a sexualidade, mas reduzindo outras possibilidades de ser no mundo que se desgarram da heterossexualidade, por exemplo. A sexualidade humana transcende em muito essa heteronormatividade-reprodutiva. Há a necessidade de problematizar os interditos quando estes engessam a realidade e geram normatividades como verdades absolutas e atemporais, uma vez que são construções de regulamentação sociocultural datadas e territorializadas. Por qual motivo juntar sexualidades e lazer? Arrisco um caminho de elaboração discursiva, admitindo que este é sempre um ponto de vista. Diria que trazer o debate das sexualidades para o do lazer é instaurar um “mal-estar acadêmico”. Via de regra se tem a premissa de que o espaço acadêmico é para coisas sérias e de verdades universais, em nome de uma objetividade científica. Objetividade esta já há tempos derrubada de seus muros quase intransponíveis. Trazer aspectos que parecem ser da vida cotidiana, das relações interpessoais, dos tempos que não são os do trabalho, este fortemente apontado pela sociedade capitalista como o lugar de virtude das pessoas, fazem parte da resistência que demarca que os mecanismos de controle existem e se aprofundam de maneira sutil e subliminar em todas as questões que são “desqualificadas” para a discussão acadêmica. Desse ponto, penso ser possível traçar a interlocução sobre lazer e sexualidades a partir da concepção de lazer como território privilegiado de expressão humana de liberdade, de estabelecer um parêntese em seu cotidiano, de abrir-se para o novo, de sair do controle, de experimentar a gratuidade plena – sem as trocas que o sistema de mercado impõe como regra das relações. Enfim, pensar o lazer e a sexualidade como necessidade-desejo existencial do ser humano e, portanto, espaço de criação, de invenção e de subversão. Isto permite pensar o lazer enquanto expressão dos mo(vi)mentos relacionais da corporeidade na cultura, na medida em que dá destino à pulsão de vida, ao desejo, ao prazer da relação entre corporeidades vivas e ávidas de expressarem suas sexualidades mais amplas. Penso ser esta uma leitura possível, o caminho que desejo seguir nessa reflexão, sem a pretensão da verdade, mas com a intenção de partilha de um olhar sobre o tema e sobre a vida, em profunda abertura para novos aprendizados.