Corpos produtivos e corpos em lazer: Reflexões sobre a sexualidade, relações de poder e o lazer a bordo dos cruzeiros marítimos

Por

Telma Medeiros Brito e Maria Manuel Baptista

Palavras-chave

Cruzeiros Marítimos; Lazer; Tripulantes; Relações de Poder; Sexualidade

Uma viagem marítima, num grande transatlântico, pode ser bastante agradável e poética para muitos. Porém, há um mundo paralelo a bordo dos navios de cruzeiro, com fronteiras intransponíveis, que é composto por corpos que se dedicam a maximizar o lazer de outros corpos em detrimento de seu próprio lazer. Para produzir e oferecer este lazer a bordo são necessários corpos dedicados. Corpos estes dos tripulantes, que são submetidos a um ambiente multicultural numa semiosfera própria, rodeados de regras quase militares, alguns limitados a determinados espaços e ações, sempre vigiados e muitas vezes punidos. Os corpos da tripulação são produtivos e atuam no ‘mundo real’, como força útil e geralmente submissa. São os corpos “dóceis”, que podem ser manipulados, utilizados, transformados para que exerçam movimentos, gestos e atitudes com rapidez, elegância e sorriso no rosto. São corpos disciplinados, cuja força é utilizada economicamente, obedientemente, mas que também se opõem às regras, quebrando as fronteiras do poder a bordo. Estes corpos possuem sentimentos, necessitam usufruir do descanso, do ócio e do lazer, além de estarem sujeitos aos relacionamentos, que assim como a realidade a bordo, podem ser intensos.  Os corpos em lazer são os dos hóspedes que embarcam para seus momentos de ócio, num ‘mundo de fantasia’, usufruindo de todos os espaços e atividades oferecidos pelos navios de cruzeiro.  O intuito deste trabalho é fazer uma reflexão sobre as questões das relações de poder e da sexualidade dos corpos dedicados dos tripulantes que atuam em navios de cruzeiros e que produzem lazer para outros corpos a bordo. Neste estudo exploratório utilizou-se como metodologia a análise qualitativa da obra “Todos a bordo: incríveis histórias vividas pelos tripulantes de cruzeiros”, publicada no Brasil, a partir de relatos de experiência de 22 tripulantes e ex-tripulantes brasileiros. O livro apresenta os bastidores do trabalho a bordo, realizado no ‘mundo real’ e oferecido no ‘mundo da fantasia’, assim como as experiências, angústias, revelações dos tripulantes, que abordam, dentre outros temas, a sexualidade e as relações de poder. Utilizou-se ainda a pesquisa netnográfica para a coleta de relatos de outros tripulantes que também expõem suas experiências relacionadas ao tema desta reflexão. A fundamentação teórica baseia-se nos conceitos das relações de poder, da multiculturalidade e da sexualidade.