Apresentação

Investigar a articulação entre sexualidades e lazer: um caminho a percorrer

As investigações académicas sobre as relações entre sexualidade e lazer têm os seus obstáculos e os dois merecem ser destacados: por um lado, a forma enviesada com que essas investigações são vistas pelos estudiosos do lazer no quadro da ortodoxia moral da academia; por outro lado, as dificuldades de ordem metodológica que se colocam neste âmbito, começando pelo processo da coleta de dados, passando pela sua análise e interpretação e culminando na diversidade e na multidimensionalidade das situações em que a sexualidade e o lazer se cruzam. Procurar encontrar vias epistemológicas para lidar com estes obstáculos de modo a produzir investigações socialmente relevantes e cientificamente sólidas é um dos aspetos que está no cerne deste Congresso sobre Sexualidades e Lazer.

Mas a escolha deste tema visa também interrogar a sociedade em que vivemos e perceber as suas metamorfoses em termos de práticas culturais, valores e mentalidades.

Com efeito, na sociedade capitalista contemporânea — crescentemente hedonista e individualista, na qual se constata a valorização do corpo e da imagem, bem como a omnipresença da internet, de dispositivos móveis e de tecnologias de comunicação que cada vez mais facilitam o consumo — a articulação entre sexualidade e lazer assume uma relevância social e cultural crescente. Numa sociedade que assimila generalizadamente a lógica social à lógica do mercado — tornando ociosa a máxima kantiana segundo a qual as coisa têm um preço, as pessoas têm dignidade — não é difícil perceber que condenações e censuras que pairavam sobre determinadas práticas consideradas desviantes se tenham vindo a transformar e a atenuar, sendo paulatinamente encaradas de um modo mais pragmático e instrumental.

Por outro lado, a evolução no sentido da participação igualitária das mulheres na sociedade e a assunção da reciprocidade entre homens e mulheres enquanto pessoas que procuram os seus próprios prazer e lazer, levou a reconfigurar as práticas sexuais e a sua dimensão simbólica. 

Acrescente-se, ainda, que no quadro da valorização do corpo e da preponderância da sua importância na configuração de identidades — num contexto de uma mentalidade líquida, avessa à fixidez definicional e aberta às experiências, às multiplicidades e ao diferente —, dispor do seu próprio corpo associa-se frequentemente a processos de emancipação e de libertação de dispositivos normativos de poder e formas veladas de dominação e de repressão.

Por fim, as práticas em que a sexualidade e o lazer se articulam não são sem impacto nos espaços de sociabilidade, nas dinâmicas grupais e na configuração e reconfiguração de redes comunitárias. 

Amplo e poliédrico, Sexualidades e Lazer é o tema proposto para o VIII Congresso Internacional em Estudos Culturais. Com ele convidamos os investigadores e as investigadoras a refletirem sobre a conexão proposta, a apresentarem os seus estudos (tenham eles um caráter mais empírico ou mais teórico) e a partilhar as suas reflexões no sentido de aprofundar uma articulação ainda pouco versada no âmbito dos Estudos Culturais.

Rui Alexandre Grácio 
CLLC Universidade de Aveiro