A segunda metade do século XX foi marcada por mudanças culturais paradigmáticas no campo das vivências afetivossexuais, principalmente no mundo ocidental. Os movimentos de liberação sexual, feministas e de diversidade sexual e de gênero irrompiam microrrevoluções ao mesmo tempo e velocidade em que espaços de consumo para a experiência sexual livre entre homossexuais se proliferava. No entanto, a crise da aids na década de 80 cindiu esse percurso, tornou o sexo um lugar de perigo e as identidades sexuais minoritárias anátemas: a homossexualidade foi sinonimizada ao próprio vírus e doença. O prazer tornara-se risco de morte e o sexo anal e as identidades sexuais minoritárias, já atravessados historicamente por estigmas, foram ressignificados metaforicamente em torno dessa chave de pensamento. Décadas depois, as vivências afetivossexuais foram moldadas em torno das noções de risco e prevenção e entre elas as identidades, experiências e lugares que sob certos ângulos podem ser lidas como subversivas: as pessoas sexo e gênero dissidentes, o sexo barebacking (sem proteção por preservativo) e a arquitetura urbana do sexo “proibido”, como parques, banheiros públicos e clubes de sexo etc. Em um movimento mais recente, recursos tecno-farmacológicos como a PREP (protocolo de profilaxia pré-exposição ao HIV), a PEP (protocolo de profilaxia pós-exposição ao HIV) e a perspectiva do tratamento como prevenção (concernente à intransmissibilidade do vírus por pessoas soropositivas consideradas indetectáveis) têm alterado drasticamente a relação com o sexo, principalmente sem o uso de preservativos. Este trabalho pretende, a partir do repertório teórico-metodológico dos Estudos Críticos do Discurso, mapear representações na mídia e de pesquisas sobre aids, sexualidades e identidades na realidade brasileira e refletir sobre os processos de subjetivação produzidos a partir da crise da aids, compreendendo como a relação entre corpo, sexo anal e identidade sexual foi a ela associada. Por outro lado, pretendo discorrer acerca do sexo barebacking, da arquitetura urbana do sexo e das tecnologias de prevenção ao HIV como possíveis linhas de escape e subversão e potenciais elementos ressignificadores de identidades, prazeres e consumo.
Aids, barebacking e sexualidade: da identidade como risco de morte à tecnologização do prazer
Por
Fábio Fernandes
Palavras-chave
Aids; Identidades; Sexualidades; Discurso; Tecnologias de prevenção